terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Jesus no sistema prisional brasileiro

Ontem, aqui no Rio de Janeiro, os Agentes Penitenciários entraram em greve, devido aos pagamentos dos salários estarem atrasados. Meia-noite eles informaram que a greve impediria inclusive as visitas aos presos. Eu havia saído da frente do Complexo Penitenciário de Gericinó, o famoso Bangu, há menos de meia hora, porém só fiquei sabendo da greve de manhã.
Tenho um parente preso lá e naquela noite, véspera de visita, levei sua mãe para a visita quinzenal, ela tinha algumas bolsas com comida e itens de higiene, por que sabemos que falta o mais básico, do papel higiênico à refeição regular. Meu parente conta que almoça ou janta, nunca os dois.
Infelizmente estamos condicionados a um sistema prisional falho e nossos próprios conceitos, a respeito dos benefícios ou malefícios da cadeia, estão prejudicados pela nossa forma de enxergar a pessoa que comete crime.
Desde a época de Cristo já havia um sistema penal para punir quem age fora da lei. Jesus foi acusado de um crime, que independente de ser inocente ou culpado, levava a um processo para definir sua pena. O processo de Jesus foi extremamente rápido, a agilidade com que ele foi acusado, julgado e condenado é de causar inveja aos melhores sistemas judiciários do mundo. Contudo, a lisura do julgamento fica comprometida pelo Indulto de Páscoa que ameaçou a justiça daquele pleito. Jesus é levado a júri popular, e desde aquela época: “a voz do povo é a voz de Deus”. Note-se que a prisão preventiva de Cristo (as chicotadas), não foram suficientes para aplacar a ira do povo. (João 19)
Se Jesus estivesse no sistema prisional brasileiro no século XXI, ele teria ficado muito tempo em prisão preventiva, aguardando um julgamento que provavelmente seria sem a lisura esperada. Enfrentaria diversas dificuldades com a demora do defensor público, pois vinha de família pobre e não tinha muitos recursos para contratar um advogado que cuidasse do seu caso, se depararia com profissionais que fazem seu trabalho com pouco, ou nenhum comprometimento, entre outras amarguras.
Por fim, seria condenado a reclusão pelo maior tempo possível, enfim Jesus Cristo estaria condicionado ao sistema prisional brasileiro, ainda que inocente de qualquer pecado, como muitos que são inocentes de suas acusações, estaria preso. E poderia, como meu parente, estar em Bangu cumprindo pena com os demais detentos.
O questionamento então é: Como nós, cristãos, cumpriríamos as orientações do Mestre de visitar os presos se estivéssemos privados de entrar por conta de uma greve?
Diversas pessoas têm falado que, tanto os massacres que ocorreram no Amazonas e em Roraima, quanto o recente no Rio Grande do Norte, são ‘mais que perfeitos’: que “bandido bom é bandido que fora morto”, e que os detentos não merecem tratamento digno, nem sequer humano. “Afinal, merecem pagar pelo mal que fizeram a tanta gente.”
Jesus estaria em uma condição deplorável, não teria almoço, penduraria suas roupas acima da própria cabeça enquanto tenta dormir; Cristo correria o risco de ser alvejado e atacado por outros presos, teria que ter muito jogo de cintura para continuar vivo, pois muitos dos que entram na cadeia são agredidos, violentados e mortos. O messias sofreria com o abuso de autoridade de alguns maus agentes. Estaria, talvez, tão aflito quanto no Getsêmani.
O posicionamento do cristão diante da injustiça social que fazemos com aqueles que cometeram ilícitos e estão pagando por eles, deve ser de solidariedade. O cristão, principalmente, não pode olhar para a situação dos presídios do Brasil e achar que os detentos estão colhendo o que plantaram e “quanto pior, melhor”.
Nós precisamos proclamar liberdade aos cativos, ainda que continuem cumprindo suas penas, não há nada de errado na pena, o errado é tirar a dignidade dessas pessoas da mesma forma que tem sido feito com negros, mulheres, nordestinos, deficientes e tantos outros que têm sua dignidade usurpada pelo sistema, os moradores de favela, os indígenas que são tratados como sub-gente; como se não tivessem os mesmos direitos e prerrogativas legais que temos. O grande problema é quando os cristãos acham que isso é normal. Tratam o nordestino diferente, o negro ou favelado de forma diferenciada e não percebem que tudo isso é extremamente conflitante com o cristianismo que pregamos e deveríamos viver; o cristianismo de Jesus.
Mas se Jesus está preso juntamente com todos os demais ‘inconvenientes sociais’, abandonamos nossas prisões às traças, deixamos os detentos morrerem de forma brutal e desumana, deixamos que as necessidades básicas não sejam supridas... Jesus está sendo crucificado ainda hoje por nós, quando permitimos com nosso SILÊNCIO que o sistema prisional brasileiro seja do jeito que é.
Precisamos tomar uma atitude, uma posição, cobrar de nossos governantes e políticos uma solução efetiva para os presos do nosso país, por que Jesus disse: “estive preso e vocês nem sequer foram me visitar”. A melhor forma de visitarmos aqueles que estão em uma situação de deplorável abandono dentro das prisões brasileiras é clamando por Justiça, proclamando a libertação deles: que eles sejam libertos dentro das prisões, libertos da desumanidade com que vêm sendo tratados, libertos ainda da falta de dignidade com que o nosso sistema trata aquele que cometeu qualquer ato ilícito.[1]
Mas, enquanto nós cristãos não levarmos a sério nossa responsabilidade diante da sociedade, o nosso papel será completamente dispensável, a História vai lembrar de nós como crentes fracos, historiadores vão citar a igreja brasileira como uma igreja de faixada, uma igreja de mentira, que não foi capaz de pregar libertação aos cativos no meio de uma situação de indignidade total.
Fica na Paz



[1] A defesa não é de um lado em detrimento do outro, a defesa é do amor libertador que dignifica todo homem. Os grevistas também precisam ter sua dignidade respeitada e garantida.

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