Ontem, aqui no Rio de Janeiro,
os Agentes Penitenciários entraram em greve, devido aos pagamentos dos salários
estarem atrasados. Meia-noite eles informaram que a greve impediria inclusive
as visitas aos presos. Eu havia saído da frente do Complexo Penitenciário de
Gericinó, o famoso Bangu, há menos de meia hora, porém só fiquei sabendo da
greve de manhã.
Tenho um parente preso lá e
naquela noite, véspera de visita, levei sua mãe para a visita quinzenal, ela
tinha algumas bolsas com comida e itens de higiene, por que sabemos que falta o
mais básico, do papel higiênico à refeição regular. Meu parente conta que
almoça ou janta, nunca os dois.
Infelizmente estamos
condicionados a um sistema prisional falho e nossos próprios conceitos, a
respeito dos benefícios ou malefícios da cadeia, estão prejudicados pela nossa
forma de enxergar a pessoa que comete crime.
Desde a época de Cristo já
havia um sistema penal para punir quem age fora da lei. Jesus foi acusado de um
crime, que independente de ser inocente ou culpado, levava a um processo para
definir sua pena. O processo de Jesus foi extremamente rápido, a agilidade com
que ele foi acusado, julgado e condenado é de causar inveja aos melhores
sistemas judiciários do mundo. Contudo, a lisura do julgamento fica
comprometida pelo Indulto de Páscoa que ameaçou a justiça daquele pleito. Jesus
é levado a júri popular, e desde aquela época: “a voz do povo é a voz de Deus”.
Note-se que a prisão preventiva de Cristo (as chicotadas), não foram suficientes
para aplacar a ira do povo. (João 19)
Se Jesus estivesse no sistema
prisional brasileiro no século XXI, ele teria ficado muito tempo em prisão
preventiva, aguardando um julgamento que provavelmente seria sem a lisura esperada.
Enfrentaria diversas dificuldades com a demora do defensor público, pois vinha
de família pobre e não tinha muitos recursos para contratar um advogado que
cuidasse do seu caso, se depararia com profissionais que fazem seu trabalho com
pouco, ou nenhum comprometimento, entre outras amarguras.
Por fim, seria condenado a
reclusão pelo maior tempo possível, enfim Jesus Cristo estaria condicionado ao
sistema prisional brasileiro, ainda que inocente de qualquer pecado, como
muitos que são inocentes de suas acusações, estaria preso. E poderia, como meu
parente, estar em Bangu cumprindo pena com os demais detentos.
O questionamento então é: Como
nós, cristãos, cumpriríamos as orientações do Mestre de visitar os presos se estivéssemos
privados de entrar por conta de uma greve?
Diversas pessoas têm falado que,
tanto os massacres que ocorreram no Amazonas e em Roraima, quanto o recente no
Rio Grande do Norte, são ‘mais que perfeitos’: que “bandido bom é bandido que fora
morto”, e que os detentos não merecem tratamento digno, nem sequer humano. “Afinal,
merecem pagar pelo mal que fizeram a tanta gente.”
Jesus estaria em uma condição
deplorável, não teria almoço, penduraria suas roupas acima da própria cabeça enquanto
tenta dormir; Cristo correria o risco de ser alvejado e atacado por outros
presos, teria que ter muito jogo de cintura para continuar vivo, pois muitos
dos que entram na cadeia são agredidos, violentados e mortos. O messias
sofreria com o abuso de autoridade de alguns maus agentes. Estaria, talvez, tão
aflito quanto no Getsêmani.
O posicionamento do cristão
diante da injustiça social que fazemos com aqueles que cometeram ilícitos e
estão pagando por eles, deve ser de solidariedade. O cristão, principalmente,
não pode olhar para a situação dos presídios do Brasil e achar que os detentos
estão colhendo o que plantaram e “quanto pior, melhor”.
Nós precisamos proclamar
liberdade aos cativos, ainda que continuem cumprindo suas penas, não há nada de
errado na pena, o errado é tirar a dignidade dessas pessoas da mesma forma que tem
sido feito com negros, mulheres, nordestinos, deficientes e tantos outros que
têm sua dignidade usurpada pelo sistema, os moradores de favela, os indígenas que
são tratados como sub-gente; como se não tivessem os mesmos direitos e
prerrogativas legais que temos. O grande problema é quando os cristãos acham
que isso é normal. Tratam o nordestino diferente, o negro ou favelado de forma
diferenciada e não percebem que tudo isso é extremamente conflitante com o
cristianismo que pregamos e deveríamos viver; o cristianismo de Jesus.
Mas se Jesus está preso
juntamente com todos os demais ‘inconvenientes sociais’, abandonamos nossas prisões
às traças, deixamos os detentos morrerem de forma brutal e desumana, deixamos
que as necessidades básicas não sejam supridas... Jesus está sendo crucificado ainda
hoje por nós, quando permitimos com nosso SILÊNCIO que o sistema prisional
brasileiro seja do jeito que é.
Precisamos tomar uma atitude,
uma posição, cobrar de nossos governantes e políticos uma solução efetiva para
os presos do nosso país, por que Jesus disse: “estive preso e vocês nem sequer
foram me visitar”. A melhor forma de visitarmos aqueles que estão em uma
situação de deplorável abandono dentro das prisões brasileiras é clamando por
Justiça, proclamando a libertação deles: que eles sejam libertos dentro das
prisões, libertos da desumanidade com que vêm sendo tratados, libertos ainda da
falta de dignidade com que o nosso sistema trata aquele que cometeu qualquer
ato ilícito.[1]
Mas, enquanto nós cristãos não
levarmos a sério nossa responsabilidade diante da sociedade, o nosso papel será
completamente dispensável, a História vai lembrar de nós como crentes fracos,
historiadores vão citar a igreja brasileira como uma igreja de faixada, uma
igreja de mentira, que não foi capaz de pregar libertação aos cativos no meio
de uma situação de indignidade total.
Fica na Paz
[1]
A defesa não é de um lado em
detrimento do outro, a defesa é do amor libertador que dignifica todo homem. Os
grevistas também precisam ter sua dignidade respeitada e garantida.